sábado, 18 de dezembro de 2010

CONTOS

VALE DAS TREVAS

Dentre as trevas, um gosto ferroso na boca. Percebe-se uma sensação fria e úmida debaixo de seu corpo, acompanhada de um jejum árduo que ela juraria durar anos. À medida que seus olhos rubros acostumam-se às trevas, contempla suas cálidas mãos erguerem-se num júbilo nunca antes contemplado, sob um fétido bálsamo sanguinolento ao qual encharcam das mãos, as suas palmas.
O quê é isto? - lateja em sua mente ao vislumbrá-lo. De repente, uma luz forte revela a sua face a quem quer que a empunhe.
Moça... Tudo bem?
Pobre andarilho! Como poderia imaginar que aquela moça, estirada ao chão, de cabelos louros meigamente encaracolados, corpo esbelto, trajando uma roupa social com um belo destaque de decote seria ofensiva? Que naquele anjo prostrado diante dele, moraria uma fera?
Um brado e, ela salta sobre ele, enquanto ele berra inutilmente ela o ataca, sem pensar, sem hesitar e sobrepuja-o. A lanterna cai das mãos dele e apaga-se, deixando-os nas trevas novamente. Aquela linda moça, agora uma fera, confusa e atordoada utiliza de presas que antes não havia, morde-o violentamente no pescoço e sente sob seus lábios à enxaguar-lhe a boca um líquor que lhe devasta a sensatez e carrega-lhe ao devaneio, ao mesmo tempo o pobre andarilho, como num ato sexual. Já não há mais gritos, mais brados, mais berros... Apenas gemidos consensuais.
Ao término do ato, ao saciar-se por completo, ao exanguir o pobre, algo desperta em Solange. Arregalando os olhos atira-se para trás, para longe do corpo já sem espécie nenhuma de vida.
Meu Deus!...
A voltar-se ao ato que havia cometido, Solange se toca, passando seus dedos leves sobre seus lábios e tocando seus ferais caninos avantajados, ainda saboreando o líquor extraído de sua vítima. O desespero a toma conta. Procura à sua volta qualquer sinal de alguém, qualquer um que possa ter uma menção do desastre que provocara, quando se vê num parque à beira de árvores frondosas e secas que deslizam suas folhas também secas, ao ar e sobre eles. Quando tamanho é o seu susto a se ver observada de cima por uma silhueta. Depois de alguns segundos apavorada, se recorda da lanterna do andarilho, a pega, a liga, ilumina o topo e descobre-se sozinha.
Onde está? Eu tenho certeza de que o vi! - sussurra enquanto percorre os galhos com a luz.
Ela retoma a atenção ao corpo, quando avista ao lado, agachado e prestativo, um homem. Iluminado, deixa-se ser percebido, homem rústico roupas velhas amarrotadas, sujas, como um caboclo, face firme, olhos atentos, de barba, cabelos lisos e maltratados de cor escura, que profere:
É! Eu acho que você precisará de mais do que Deus nesse momento!
Solange põe-se a chorar deixando cair sob a grama e as folhas secas, pesquisando em sí mesma ou em livros de psicologia que ela já leu alguma explicação, teoria, filosofia ou condição para isso ter ocorrido, mas só veio-lhe uma... A fome!
Você estava realmente faminta, hein? - diz o homem, rindo após o trocadilho.
Eu não entendo como pode rir de uma coisa dessas? Quem é o senhor?
Depois de uma curta gargalhada:
- Senhor? Não me chame assim, senão, me sinto velho. Ou melhor, pode me chamar assim mesmo, pois é isso que eu vou ser daqui pra frente, seu senhor! Caraca, você acabou com ele, não se faz mais bons carniçais com tanta freqüência não, tá?
Senhor? Carniçais? Do que você está falando? - Solange confusa, indaga-o, iluminando sua face, quando, como se houvesse um estalo ela recorda-se dele.
Espere! - gritando – Eu o reconheço! Você andava me rondando ultimamente, você estava na passeata, você ficou me olhando entrar no carro um tempão... - Interrompendo-a:
Você, não! Senhor! Mal foi gerada e já vai abrindo as asinhas.
O que você fez comigo seu monstro? - Solange chorando e estapeando-o enquanto ele a impede. Então ele esbofeteia-a, e ela pára, abraçando-o em seguida.
Olha! Tudo isso tem uma explicação! Não se preocupa com esse cara não, eu já esperava por isso! - ela atordoada deixa-se cair ao chão sentada. Esperando que algo pior esteja por vir.
- Isso! Agora eu vou começar a te contar... Tudo começou, quando você criou um tal de projeto de Condomínio nesse Vale aqui a pedido de uns almofadinhas aí, né? Foi aí que você começou a me ver, né? Pois é! Eu acho que esse foi seu maior erro, aceitar a proposta. Ou quem sabe, ser arquiteta, tanto faz! O que importa é que você mexeu na colméia errada, tá sabendo? Eu tentei resolver de um jeito diplomático e tal, mas aí eu tive que tomar uma atitude drástica!
Peraí! O senhor está dizendo que me induziu a matar esse homem em troca de umas terras, abandonadas a séculos, que só tem mato? E dessa forma? - Solange gritando indignada!
Agora sim, melhorou o tratamento. Mas, vai abaixando sua crista e o tom também, que é bom que você vá aprendendo que, quem manda aqui é eu! E abandonada é o cacete! Essas terras são minhas há duzentos anos, e nenhum Toreadorzinho vai transformar minha área num SPA, porcaria nenhuma! - grita nervoso -Acontece, que esses veadinhos do campo, perderam sua criatividade ao se tornar o que nós somos, e utilizam a dos humanos que tem de sobra, entende?
- Como assim o que nós somos? Do que o senhor está falan... - de repente o homem sibila como se algo assomasse-os, então ele grita:
Abaixa!
Agarra-a e, os dois vão para o chão. Solange vê-se novamente nas trevas, mas, dessa vez a sensação não é úmida, não há o cheiro fétido de sangue coagulado e nem mesmo frio, há apenas a sensação, de aperto e de tocar tudo a sua volta junto com a aridez instalada em sua pele.
Ela perde-se em seus pensamentos enquanto permanece nesse estado sólido, agarrada àquele desconhecido cujo é sua única esperança de reaver sua sanidade, de obter resposta, e enquanto pensa agarrada a tal, começa a se sentir presa, sem poder falar, nem se mexer e deseja acordar daquele pesadelo. No instante em que parte de suas preces foram ouvidas. Ao erguerem-se do meio da terra, onde o mesmo havia-a carregado para dentro, se encontram no meio de uma tempestade de chamas que encobrem as árvores, um medo lancinante transpassa-os nesse instante, de forma que se agarram cercados por nuvens de fogo e fumaça que rasgam-nos de calor.
Desgraçados! Precisamos voltar! - lamenta o homem.
Espere! Qual o seu nome, senhor?
- Se não descermos logo, Sr. Defunto Morto da Silva!
E, vlap! Voltaram a terra, mas dessa vez com mais alguns segundos e um pouco de técnica, senhor Defuntoconseguiu que sua bocas e orelhas ficassem próximas, com um mínimo de espaço, claro! Os Vampiros comoSr Defunto possuem conhecimentos místicos e podem realizar algumas tarefas impossíveis ou quase, aos seres-humanos, como por exemplo, entrar debaixo da terra, e seu corpo apesar de movimentar-se segundo a vontade do vampiro está tecnicamente morto, sendo assim, não respiram ou batem seus corações, não envelhecem e não morrem tão facilmente quanto os seres-mortais. Por isso, o nome: Imortal. Entre outras palavras essa foi uma das conversas que tiveram lá embaixo se refugiando das chamas, pois para o vampiro, o fogo é terrivelmente assustador!
Enquanto Solange derrama lágrimas de sangue à ter noção do que tornara-se, Sr Defunto ou melhor já apresentado, Paulo Solênccio, membro do clã a qual ela também pertencerá, Gangrel, conhecido entre os seus como o Ermitão, diz-se independente de Seitas, por isso mantêm-se distante à tantos anos, até que suas fronteiras foram desrespeitadas.
Então, espero que já tenha entendido por que você está aqui.
Solange ri-se dele.
- Eu sei muito bem o motivo de eu estar aqui, sr. Paulo!
- Sabe? E qual é?
Ao ver-se com seu território arriscado, você fragilizou-se, foi atrás das fontes, me encontrou e apaixonou-se por mim. - e põe-se a rir ainda mais.
Noite seguinte. Solange está diante de sua mesa, ainda baqueada com tudo o que houve. Paulo à espera em sua caminhonete. Ela busca em seus arquivos, quando para sua surpresa, sumiram todos, vai ao computador verificar, quando uma voz sutil e familiar soa à seu ouvido:
Você não achou que nos enganaria, achou?
Era Robert com seu terno vermelho de meados do séc. XVI, louro, olhos claros, traços finos magro, um perfeito burguês, na companhia de um vampiro horrendo deformado, como se houvessem queimaduras e sua pele fosse úmida, com um fedor característico de esgoto, que pelas descrições anteriores de Paulo, seria um membro do clã Nosferatu. Mas, o destino mais uma vez foi cruel com Solange.
Passou pela minha cabeça. - respondendo sorrindo.
- É bom que conserves o teu humor, mal sabes qual será teu fim!
Meu fim? Porque tanta pressa, se ainda nem terminei o trabalho?
Robert diverte-se numa gargalhada quando seus olhos arregalam-se e ele para de rir.
Trááááá!
E, de repente, voando pela janela quebrando-a adentram uma revoada de morcegos que grudam sobre Roberte seu lacaio, fazendo com que suas atenções se percam. Solange empurra Robert janela abaixo - não é uma atitude digna, mas, em certos momentos a sobrevivência fala mais alto. Antes que tivesse a chance de expulsar os animais de si, utilizando seus conhecimentos na mesma habilidade de Paulo de invocar animais a seu serviço, este já enfiava-lhe as garras nas costas fazendo que sua compostura e força desabasse.
Solange, pega esse lápis aí na mesa! - pede Paulo.
Mas, pra quê?
Você vai ver!
Paulo enfia-lhe o lápis no coração do horrendo Nosferatu, e paralisa-o completamente.
Isso não o destrói! – pensou constando, Solange.
A olharem pela janela eles assistem Robert arrancar com sua BMW para longe dali.
Vencemos?
Não minha cara! As coisas não são assim, ele vai ter que rebolar para explicar o que aconteceu pro lado dele, por enquanto eu tenho meu território e ele sacou que eu não sou de brincadeira e, ainda por cima, o território é meu e, isso a Camarilla sabe respeitar! Mas, ele ainda tem seus projetos e, é só eu cochilar que ele pode tentar tirar de mim de novo, o quê eu sei que vai demorar. Agora vamos vazar que daqui a pouco vai ter um monte deAlgozes aqui e, já tô de saco cheio!
Vamos para debaixo da nossa terrinha, vamos!? - chama carinhosamente.
Caracas! Isso que é sorte! Ganho minhas terras só pra mim, uma parceira e uma namorada num pacote só!
Sim Senhor!


Autor: Albaldino, 12 de julho de 2009.

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